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domingo, 29 de setembro de 2013

O Chiado e o seu comércio, em 1916


Ilustração do artigo de A Capital, onde se pode ver referência à casa Ramiro Leão

O vespertino A Capital dedicava a 14 de Julho de 1916, página e meia não assinada a "O Chiado e ruas circumvizinhas - Sua história e tradição comercial - Estabelecimentos que já desapareceram, principais estabelecimentos de hoje". Isto depois de, a 29 de Junho ter publicado, também anonimamente, "A Rua do Ouro – Os seus principais estabelecimentos – Um pouco de história e de tradição".

Ambos os artigos seriam o que hoje poderíamos classicar de publi-reportagem, pois pensamos que "quem não pagou, não apareceu". Mas, mesmo assim, valem como documento para quem, como nós, se interessa pela evolução do retalho nacional, especialmente nos ramos da relojoaria, ourivesaria ou joalharia.

Tem causado algum debate o post que aqui deixámos, onde se fala da decadência do comércio na Baixa pombalina. Vamos continuar a acompanhar o processo, e os excertos de hoje, do artigo supracitado, bem como os anteriores, são apenas mais um contributo para o tema.

"O Chiado é a rua elegante por excelência. A rua do Ouro pode disputar-lhe a primazia na opulência comercial, na vida intensa dos negócios, na magnificência dos seus estabelecimentos, na riqueza das suas joalharias. Mas o centro da moda permanecerá sempre nessa formosíssima artéria em forma de rampa, que vem de lá de baixo, do antigo palácio Ouguella, até ao largo do Camões. Todos os grandes janotas alfacinhas passaram dois terços da sua vida no Chiado. Todos os estroinas da boémia doirada por ali andaram a cavar a sua ruina. O Chiado foi sempre para o High-Life de Lisboa o que Picadilly Street é para a alta roda londrina. Quem quer ditar a moda tem de empoleirar-se no Chiado, em sítio bem elegante e bem visível – a Marques, por exemplo”.

Começa assim o artigo, notando que, oficialmente, o Chiado chama-se Rua Garrett. "Mas não vingou o crisma".

"No Chiado existiram sempre alguns dos mais célebres estabelecimentos comerciais de Lisboa", faz notar A Capital. "Foi no Chiado que, na sua maior parte, se estabeleceram os comerciantes franceses que, aí por meados do século passado, vieram lançar em Lisboa os novos processos de comerciar e que, servindo de tronco a várias gerações, formaram como que dinastias que ainda hoje existem e que são comerciantes, na sua quase totalidade, como aqueles que as fundaram".

Quanto ao sector de ourivesaria, joalharia e relojoaria, o artigo refere:

"Foram ali dar os célebres brilhantes Bera, que deslumbraram o alfacinha, arrancando-lhe o dinheiro à farta e seduzindo-o com o brilho fulgurante das suas falsas pedrarias e das suas jóias de latão. Os brilhantes Bera foram, inegavelmente, uma das mais estranhas loucuras da Lisboa no nosso tempo".

A história dos brilhantes Bera parece ser a seguinte: nos números 2 a 6 da Rua Garrett apareceu por volta de 1900 um estabelecimento de artigos de origem americana. Pertencia à Bera Scientific Diamond Palace e, no espaço sumptuosamente montado, exibiam-se jóias falsas, mas de acabamento elaborado. "Mais reais que as jóias reais", era o seu lema. O êxito foi tremendo, mas o termo "bera" ficou. Para qualificar negativamente algo ou alguém.

São referenciadas as relojoarias Humard e Pires. “O sr. Leão Ferreira, que foi o testamenteiro do relojoeiro Pires, ficou possuindo o relógio pelo qual todos os habitués do Chiado, durante quase meio século, acertaram os seus relógios”.

Refere-se a ourivesaria Miranda e Filhos, "cuja entrada é pelo nº 52". “Dos estabelecimentos de joalharia de Lisboa, principalmente no que respeita a pedras preciosas, nenhum outro excede este. Inaugurada há pouco tempo, a ourivesaria Miranda foi uma verdadeira revelação para todos quantos, fazendo o giro elegante do Chiado, nunca haviam suposto que, detrás do tapume que durante tanto tempo barrara aquela parte do passeio, sairia semelhante maravilha. Tudo naquela catedral da jóia artística e da pedra preciosa respira a elegância e bom gosto. Nas montras, surgiram peças de argentária que deslumbraram, enormes brilhantes que custavam dez e doze mil escudos, pérolas de uma beleza incomparável, tesouros de inestimável valor. Até ao aparecimento da cada Miranda & Filhos, Lisboa não vcira mais opulentas colecções de jóias, como não vira ourivesaria mais rica, mais artística, mais deslumbrante. Ela é filial de uma outra não menos rica nem menos afamada que os srs. Miranda & Filhos possuem no Porto, na rua 31 de Janeiro, a qual é para a capital do Norte o que a casa do Chiado é para Lisboa. Estabelecimentos como este, que nada se parecem com os de outros tempos, honram os seus proprietários e as cidades que os possuem".

Fala-se en passant da Ourivesaria Mourão.

"Na Praça Luís de Camões abriu no nº 19 há pouco tempo, e depois de devidamente ampliada, a ourivesaria de António Pedro da Silva, que se dedica também ao comércio de jóias e antiguidades", informa ainda.


Grandes Armazéns do Chiado

Referem-se as casas de modas do algarvio Leonel Augusto da Guerra ou Alexandre da Fonseca; a modista E. Jaume; o restaurante Augusto; a casa José Alexandre, de artigos de ménage, fundada por José Alexandre Ferreira, que passou para um sr. Oliveira e que ocupou o espaço que tinha sido da casa Béra; a retrosaria Faro; a loja de modas de J. F. de Magalhães; a Casa Maggiolo, de chás e cafés e brinquedos artísticos; O Último Figurino, loja de modas que ocupou o espaço Maggiolo; alguns dentistas estrangeiros; as casas de modas LOmbré, Marsoo, Barincon & Cª; o armazém de música de José Paccini, empresário do São Carlos; o cambista Pires; a livraria conhecida como A Casa da Foca, “por ter um desses pinipedes embalsamado à porta”; a London House, galeria de arte; a chapelaria Galeria Parisiense; a csa do Manuel dos Contos, “que mais tarde adquiriu as ruinas do convento do Oratório, mandando construir o prédio onde existem hoje os Grandes Armazéns do Chiado”; a casa de tabacos de Manuel Bravo e depois de Leão Ferreira; a confeitaria Baltresqui; a casa Picadilly, onde antes tinha estado o restaurante Marrare ou o confeiteiro Ferrari, o sapateiro Manuel Lourenço, o chapeleiro Augusto Ribeiro e, finalmente, Miguel Lacerda, onde “vendia-se de tudo… o que ninguém comprava”; o alfaiate Yung, fornecedor de D. Fernando – “Era aí que se reuniam no tempo do Marrare os marialvas e os literatos da época, conjuntamente com os dilletanti e cantores de S. Carlos, quando esse teatro funcionava. Serviam-se excelentes bebidas e neve natural, porque no tempo não havia outra”; o ferrageiro Novais; a Casa das Flores Naturais; a Casa de Câmbio Dias & Dias; o hotel do célebre cozinheiro João da Mata; a casa Ramiro Leão, camisaria e pronto-a-vestir masculino; o Turf Club; o italiano Celestino Barela, que vendia espelhos e molduras; os floristas Peixinho e Lopes, Limitada; a livraria Manuel Gomes, onde depois se instalou a Pastelaria Marques; o estanco do Nunes; o jornal republicano Os Debates, fundado por Consiglieri Pedroso; o jornal A Vanguarda; a camisaria Carneiro; o café Toscano, do italiano Domingos David; a livraria Borel; o Café Central; a Casa do Monteiro dos Candeeiros; as casas de música Fontana e Stegnor.


A Brasileira, ao Chiado. Estação Cronográfica nasceu e cresceu na vizinha Serpa Pinto e este era o seu café de bairro. Sem snobismo...

Mais referências:

A camisaria de Adriano Teles, onde depois se instalou o café A Brasileira, de Adriano Teles, que já tinha aberto no Porto. “Com a abertura da Brasileira do Chiado apareceram nas redacções dos jornais, nos clubes, em empregados solícitos, amáveis, com as máquinas de preparar o café, oferecendo-o graciosamente, como propaganda, a toda a gente. No estabelecimento, a quem comprava qualquer porção do precioso pó, era oferecida também uma chávena de café”; o Hotel Borges, onde antes tinha estado o hotel Gibraltar; a Casa Havaneza, “a maior tabacaria de Lisboa”; o depósito da Fábrica de Loiças da Vista Alegre; a Casa de Chapéus Gresielles; o restaurante Fortes; a Casa de pianos Berdoux; a casa de móveis Castanheira, Freire, Limitada; a Papelaria Veríssimo; a casa de máquinas de costura Pfaff; o restaurante Club, mais conhecido por Silca; os Hotéis Gibraltar e Universal, onde pois seriam os Grandes Armazéns do Chiado; a casa de modas de José Gregório da Silva Barbosa; o hotel Francfort; os jornais Novidades e Notícias de Lisboa; o alfaiate Amieiro; os armazéns de víveres Jerónimo Martins & Filhos; a modista Alisia Neuville; a Casa de Chapéus de Salomão Cardoso; a casa de modas de madame Cid; o jornal Correio de Manhã, de Pinheiro Chagas; a casa de modas Quaresma; a casa de pianos Salão Mozart; a casa de móveis Alcobia; a retrosaria Branco; o depósito da Fábrica de Tabacos de Xabregas; a barbearia Gaspar; o Clube Tauromáquico; a confeitaria Baltresqui; o alfaiate Ayroles; os fanqueiros Custódio & Irmão; a Sapataria Reis; uma Tenda Suissa; a casa de material eléctrico Ramos & Silva; o depósito das Caixas Nacionais Registradoras; a modista Jaume; a livraria de Manuel Gomes; a Livraria Bertrand; o retroseiro Froes; a casa de modas Quaresma; a casa de máquinas de costura Weller & Winson; a casa Aymé Lyz; a papelaria Pereira; a taberna Baldanza; a livraria Avelar Machado; o estanco do Loreto; o restaurante Barrabin; a Alfaiataria Keil, do pai de Alfredo Keil; os jornais Comércio de Portugal e Correio da Noite; a alfaiataria Amieiro; a confeitaria Figueiredo; a casa de máquinas Remington; a viúva do tintureiro Francisco Alves; a luveira Cisneiros; o armazém de pianos e músicas Casa Neuparth; o Instituto Pasteur; as papelarias La Bécarre e Torrinhas; a Livraria Ferin; a cada de modas Eduardo Martins & Cª, cujas montras “são verdadeiros monumentos”; a Charcuterie Française, de Ulrich Pettermann, que foi mercearia fina e passou a restaurante; a Associação dos Lojistas, no prédio onde viveu Rafael Bordalo Pinheiro; a casa de mobílias Barbosa & Costa; a casa de vinhos de José Luís Simões; a companhia de seguros A Lusitana.


Em cima, Grandes Armazéns do Chiado. Em Baixo, o Hotel Borges

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