Est. June 12th 2009 / Desde 12 de Junho de 2009

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domingo, 31 de agosto de 2014

Há dez anos... ensaio de 2004 sobre o Tempo, na Internacional Horas & Relógios II


Há dez anos, escrevemos uma série de ensaios sobre o Tempo para a revista Internacional Horas & Relógios. Eis o segundo deles. Para ler o primeiro, vá aqui.

Enigmas do tempo

Todo o ser vivo é um relógio

Steve A. Kay tem 44 anos. É um cientista norte-americano, investigador principal no Scripps Research Institute em La Jolla, Califórnia. E, há pouco tempo, descobriu o gene que faz com que as plantas saibam quando devem florir.

Há muito que a comunidade científica suspeitava da existência desse gene-relógio, mas Kay provou que os chamados ciclos circadianos não são, afinal, teorias mais ou menos místicas e metafísicas.

“Sabíamos há já algum tempo que o ritmo de crescimento das plantas é ditado em muito pelas condições de luz”, diz ele numa entrevista à revista The Scientist (número de Fevereiro deste ano, disponível em www.the-scientist.com). “Estávamos a tentar saber como é que a informação sobre a luz se transmitia ao genoma. Sempre fui uma pessoa madrugadora, por isso estava a estudar os genes de manhã. Mas trabalhava com um colega húngaro, que não era propriamente madrugador; ele disse-me que não conseguia reproduzir os dados que eu registava. Já tinha lido alguns trabalhos sobre ritmos circadianos, de B. M. Sweeney, e pensei se o problema com a reprodução dos dados não teria a ver com este ciclo; se não haveria um gene que se ligava de manhã, que se desligava ao início da noite… tropeçámos, literalmente, nele”.

É destes tropeções que a ciência muitas vezes beneficia. Depois das plantas, Kay debruçou-se sobre a mosca da fruta. E a conclusão foi espantosa: ela tem relógios biológicos espalhados por todo o corpo. “Ultrapassou-se o paradigma que dizia que o ritmo circadiano era comandado apenas a partir do cérebro”, diz o cientista, que pretende agora saber se os genes-relógio das várias espécies têm a mesma “assinatura”.

Kay está entusiasmado ainda com outra vertente da sua investigação: “o relógio biológico controla aspectos vitais da divisão celular”, sublinha. “Se um tumor está a dividir-se, há a possibilidade de inibir a divisão celular quando o corpo está menos susceptível a um determinado medicamento”. Mas o que são então os ritmos circadianos. Para já, chamam-se assim porque, na sua maioria, têm períodos de 24 horas, de cerca de um dia, Estes sistemas temporais ditam quando as plantas devem florir, forçam as pessoas a adormecer nos locais de trabalho, impelem os pássaros a migrar para sul, influenciando uma série de outras actividades. Há ritmos que obedecem ao fluxo das marés, às fases da lua, ou ao período de traslação da Terra em volta do Sol (neste caso, circanual, pois é de cerca de um ano).

Que organismos têm estes ritmos. Cada vez se descobre que mais. Desde o bolor do pão aos seres humanos, passando pelo arroz, pela mosca da fruta ou pelos ratos. Parece que os genes-relógio das plantas são idênticos, bem como os encontrados nos mamíferos. Embora todos estes organismos partilhem o mesmo mecanismo básico, os componentes individuais diferem, sugerindo que os relógios biológicos se desenvolveram independentemente.

O que faz actuar os ritmos circadianos? A luz é, aparentemente, o principal factor, ligando-os e desligando-os, mas a temperatura também tem o seu papel. Os criptocromos, detectores de luz que se encontram em quase todos os organismos, transmitem sinais aos genes circadianos e às proteínas, um conjunto conhecido como o oscilador central, que mantém o relógio sincronizado. Os mamíferos detectam a luz através dos olhos, e os componentes do seu oscilador estão centralizados no núcleo supraquiasmático, no hipotálamo. No entanto, as plantas, dependem fortemente da luz para dela obterem energia, por isso têm receptores de luz espalhados por toda a sua estrutura.

Os relógios biológicos controlam uma série de comportamentos, desde a fissão binária nas bactérias até aos ciclos de sono-vigília nos humanos, passando pelos seus padrões de alimentação. São os ritmos circadianos que regulam o nitrogénio fixado pelas cianobactérias; quando os esporos espalham os seus componentes reprodutivos; quando os pássaros migram; ou quando alguns mamíferos hibernam. Nas plantas, os processos circadianos incluem o crescimento do caule, o florescimento sazonal, a fotossíntese, os movimentos das folhas, a assimilação de gases, os metabolismos carbónico e sulfuroso.

E o que é que acontece quando o relógio biológico fica desregulado? Dá-se uma arritmia nas plantas, havendo florescimentos extemporâneos, se os genes-relógio sofrem mutações ou os estímulos exteriores são baralhados. Nos humanos, as flutuações hormonais causadas pelo envelhecimento alteram as amplitudes dos seus ritmos circadianos, afectando o sono ou a disposição. Uma doença, chamada síndroma da fase avançada do sono, regula o relógio quatro a cinco horas mais rápido que o normal, forçando as pessoas a caírem de sono ao fim da tarde e a despertarem de madrugada. Um dos efeitos mais comuns e experimentados é o do jet leg, quando o organismo sai de uma determinada zona do globo e é colocado numa outra muito afastada, em curto espaço de tempo – numa viagem de avião. Até que se adapte aos ritmos de luz e sua ausência no novo local, o organismo vive como se estivesse a receber os impulsos do sítio de onde partiu. Os ritmos circadianos são ainda importantes nos ritmos de actividade cerebral, regeneração celular e outras actividades biológicas ligadas a este ciclo de 24 horas. A ciência que estuda os ritmos biológicos chama-se cronobiologia.

Foram feitas experiências com animais colocados em escuridão total por largos períodos de tempo e, a dada altura, os seus ritmos biológicos entram em anarquia, sem demonstrar qualquer padrão de comportamento previsível. Este tipo de pesquisas influenciou o design dos ambientes das naves espaciais, com sistemas a imitarem o ciclo de noite e dia e a beneficiarem bastante o comportamento e o bem-estar dos astronautas. Parece que, nos mamíferos, incluindo os humanos, a informação sobre a não existência de luz faz a glândula pineal segregar melatonina, uma hormona que atinge o pico da produção à noite e o diminui gradualmente de dia.

Em países onde a luz solar é escassa durante metade do ano – o norte da Europa, por exemplo – regista-se nessa altura um pico de depressões ou de suicídios. A maneira mais directa de obstar a isso é colocar as pessoas mais afectáveis sob banhos diários de luz artificial. Foi apenas em 1980 que um psiquiatra norte-americano, Alfred Lewy, descobriu que a luz brilhante acima dos 2500 lux (o equivalente a um dia de sol na Primavera, contra os 500 lux artificiais que estão presentes num escritório) abranda a libertação de melatonina e aumenta a produção de seratonina, a chamada “hormona da boa disposição”.

Está igualmente provado que o aumento ou diminuição da luz solar e da duração dos dias, na Primavera, ou no Outono, favorecem a ocorrência de crises em algumas doenças mentais, como a bipolar, ou o aparecimento de depressões. A questão está mais no carácter de transição e mudança destas estações, com algumas pessoas a terem mais dificuldade a adaptarem-se às novas condições, levando a descompensações. Nestas duas estações intermédias há um aumento de suicídios, sobretudo nos países mais próximos dos pólos, onde é ainda mais acentuada a diferença da duração dos dias e do tempo de luz solar. No caso dos doentes bipolares, há mais crises de euforia na Primavera e mais crises depressivas no Outono. Além disso, mundialmente, regista-se na Primavera um aumento das psicoses e de crises em doentes esquizofrénicos.


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